terça-feira, 6 de março de 2012
Amélia
Ainda que tenhas partido feliz o que deixaste para traz foi um legado de vidas perdidas que tentam desesperadamente encontrar um mundo onde encaixar o sofrer eterno de almas desnorteadas.
Os nossos filhos não dormem à meses, as lagrimas não lhes deixam os pequenos olhos. O cão já não salta de alegria na previsão de um passeio ao jardim. E quando partiste levaste contigo a primavera e o verão abrasador deixando-nos à merce de um mundo sem flores.
Amélia quem me dera encontrar-te de novo por entre a poesia das musicas que nos cantavas ao fim do dia, que despertavam os pássaros antes do dormir.
Amélia, quem me dera estar contigo.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Carolina I
Ela nunca o tinha visto fora daquele espaço, nunca lhe tinha sentido o cheiro para alem daquele dia, e sabia que se o abordasse ele não a conseguiria ver.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
O barco
Ela procurava-o incessantemente, mas tudo o que ele fazia era sorrir.
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Calista belisário
Perdera-se faz muito tempo entre os labirintos infinitos da sua mente, enquanto tentava encontrar lógica na morte.
Trazia sempre como que um animal de estimação, amarrado na cintura, o seu carrinho de compras que um dia roubara numa cadeia de mercado moribunda. Dentro do carro tinha toda a sua vida, um album de recordações onde guardava, com todas as suas forças, as lembranças da sua infância e do que outrora chamou de família. Os seus três filhos, a sua falecida mulher e todos aqueles momentos em que se lhe pôde ver um sorriso no canto dos lábios.
Trazia também, um estimado colchão, uma almofada feita de farrapos que por vezes usava para se lavar, e a telefonia que já não tocava faz dez anos, e se mantinha sintonizada na estação onde todos os dias ouvia as canções que o embalavam no pequeno almoço.
O carro já ia na sua quarta revisão, cada uma requeria troca integral de rolamentos, desempanamento do eixo da frente e um novo estofo para o volante.
As suas pernas já não eram como d'antes e por vezes deixava-se dormir, debaixo de uma ombreira de porta ou de um parapeito de escada, até ter genica para se pôr de pé.
O ritual das manhãs era sempre o mesmo, dobrar o colchão e a almofada juntos, retirar o garrafão, que utilizava para lavar as mãos e a cara, do carro e prende-lo entre os joelhos enquanto entornava a água nas mãos em forma de concha e as levava, com delicadeza, às faces, retirar um pedaço de pão do saco, com alguma sorte um iogurte que conseguira no dia anterior, e levar à boca para enganar a fome, repor todos os items meticulosamente no carro e lançar-se na aventura da imensa Lisboa.
Tinha um trabalho sujo, que lhe ocupava maior parte do dia, encontrar e recolher corações partidos das ruas da cidade, trabalho que fazia com gosto e apresso, nunca se negando, ainda que por vezes o corpo o não deixasse, a baixar-se e esgueirar o braço para dentro de uma sarjeta onde a maior parte dos cacos iam parar. Normalmente encontrava-os sozinhos, partidos ou arrancados por uma das partes, alguns até com buracos ou espicaçados, por vezes conseguia encontra-los aos pares, mas era raro, mais raro era encontrar as duas metades do mesmo coração no mesmo dia, acontecera-lhe uma vez.
Por habito recolhia-os para dentro de um saco de serapilheira, que atava no fim do dia com uma corda. No dia seguinte, logo pela alvorada, transportava-os para o "Centro de recuperação de corações partidos" onde os deixava ao cuidado de uma amiga que conhecera no dia em que tentou encontrar a logica na morte.
terça-feira, 21 de junho de 2011
Nas asas d'uma mosca
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Cuspir em frente
Quando chove assim deve-se sair à rua com a armadura de ferro, ainda assim com cuidado para não enferrujar.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Imaginarium I
Certo dia enquanto brincava com os bonecos velhos e viciados da sua infância deparou-se sentado a olhar para o outro lado da grande vedação do seu jardim. Do outro lado haviam muitos outros meninos e meninas, que brincavam a jogos de imaginar, sem bonecos, nem carros, nem caminhos viciados, e então deu por si a pensar.
"Porque é que aqueles palermas estão a brincar com as mãos no ar, aos saltos e aos pulos, sem brinquedos de verdade?" não percebia.
Voltou-se a brincar com os seus brinquedos de brincar, no mesmo girar e girar.
Numa outra altura veio a embater, na sua vedação, um dos meninos, e ele apressou-se a perguntar.
"Porque é que estão a brincar sem brinquedos de verdade?"
"Isto são brinquedos de verdade, ora essa!" respondeu o outro.
"Se são de verdade porque é que eu não os consigo ver?"
"Tens de semi serrar os olhos, e pensar com muita força, para isso acontecer."
O menino pequenino não percebeu nada do que o outro lhe tinha dito, ainda assim abanou com a cabeça.
No dia seguinte, na hora de brincar, juntou a cara à vedação e olhou para os outros meninos a imaginar, cerrou os olhos com muita força que quase não via nada, e não viu mesmo nada. Chateou-se e foi brincar, com os seus brinquedos de verdade.
À noite não conseguiu dormir a pensar com muita força.
No dia seguinte, depois de estudar, foi para o jardim tentar brincar mas não conseguiu, os bonecos estavam a ficar velhos e já não faziam nada de novo, seguiam sempre no mesmo caminho.
Aborrecido sentou-se junto da cerca a ver os outros meninos a fazer o jogo de imaginar.
"Que tolos" pensou ele.
"Como é que conseguem ver com o que é que estão a brincar se não têm nada nas mãos?"
Então, irritado, cerrou de novo os olhos com muita muita força e começou a pensar. Subitamente como que por magia pareceu-lhe ver uma imaginação, e abriu a boca incredulo. Mas no momento seguinte desapareceu.
"Acabou o tempo, volta pra dentro" Ordenaram-lhe, e ele com muita pouca vontade lá foi.
Passou os seguintes três dias enfiado com a cara na vedação, olhos semi cerrados e a pensar com toda a sua força, até conseguir ver com toda a certeza as imaginações dos outros meninos.
Foi então que pensou imaginar brinquedos como os deles, para poder brincar no seu parque de verdade.
Cerrou os olhos e pensou. Nada. Cerrou com mais força e pensou ainda mais. Nada. Não se deixou vencer e fechou ainda mais os olhos e pensou ainda com mais firmeza. Mas não viu nada.
"Porque é que não consigo brincar com brinquedos de imaginar?" pensou com uma tremenda frustração.
Então realizou que, provavelmente, seria por não ter com quem imaginar.
...
sexta-feira, 4 de março de 2011
"Quem está livre, livre está..."
Fomos deixados ao acaso de nos entendermos, como ninguém nos escolheu vamos ficando juntos. Cuspidos pra fora da roda por estarmos um pouco a mais, por sermos um pouco de mais. E quando ninguém nos quis vimo-nos na obrigação de cuidarmos os calores do corpo que não se esquentam com tochas nem labaredas.
Todos sabemos que a abundância de escolha tolda a visão e estorva o pensamento, por isso temos a vida facilitada, pelo menos ate que alguém salte roda fora. Achas que alguém salta?
Há dias que não sei que língua falar contigo, dias em que o português não te chega aos ouvidos, que, por mais que tente tu percebes as coisas todas ao contrário. Há outros em que não suporto sequer o facto de me deixar pensar em ti, vou-te boicotando por entre fileiras de pensamentos em que me refugio, camuflado, e tapo os olhos a tudo o que me leve aí.
O pior é quando depois do casamento de ideias e valores queres saltar a cerca para o outro lado, só pra ver se já alguém tombou de cu durante aquela dança circular, para que o possas levantar e limpar-lhe os farrapos enquanto julgas recuperar a juventude que já lá vai. Mesmo que alguém tenha caído, julgas mesmo que vão querer olhar para o fantasma de uma vida? Nem que vistas os melhores cetins.
E agora, achas que já alguém saltou?
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Dia dos namorados
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Três divisões
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Eterno
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Tinta da China
o cetim doce da tua pele,
ao contornar os traços inacabados
com a ponta da língua,
que me sobe à cabeça
e à ponta dos dedos
a estatica força de te jogar
o corpo contra a parede.
De te prender as mãos
em volta do pescoço
e te rasgar os labios
com o afiado prazer
no gume dos dentes.
Com as unhas cravar-te
pedaços de carne,
no meio da seda áspera dos lençóis,
a retalhar-te pedaços do passado
enquanto os teus olhos dançam
dentro das órbitas em torno do sol.