quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Conto de Maria I

Era tão efémero quanto o escassear das horas, o entrar no bar e, depois de quatro copos de scotch, encontrar alguém com quem passar o resto da noite. Ainda que isso não significasse o final previsível no fundo dos lençóis, sabia-lhe bem saborear uma boca nova todos os serões. Estudava as mulheres como quem estuda para um exame de final de curso, e conhecia os cantos e recantos dessa bela disciplina. Nunca assaltava o mesmo castelo na mesma semana, e tinha um mapa muito bem estudado, com as fraquezas de cada fortaleza dentro da sua cabeça. Saía sempre antes de se tornar irremediavelmente importante nas suas vidas, e tinha-se como santo redentor de corações acabados. Nunca se deixara envolver o suficiente para que se lhes pudesse chamar amor. Mas tratava-as todas com o mesmo respeito e delicadeza tal jardineiro velho num jardim de rebentos novos.

Maria aconteceu depois, bem depois. Estava já ele agarrado aos seus raros cabelos negros como alcatrão, e os sapatos gastos de tanta dança. Maria, singular, estonteante, de labios carnudos e doces num eterno tom avermelhado, pernas majestosamente altivas de atleta olimpica e silhueta perfeitamente recortada a bisturi cirúrgico, apareceu num fim-de-semana que se escapa no tempo.
Sem avizar, e por entre as garfadas num bolo ao pequeno almoço, no hotel mais caro da cidade, os olhos dele choveram entre os ombros da delicada face de Maria. Naquele preciso instante ele realizou que a tinha que vencer. Era a mulher mais bela que alguma vez tivera visto, as suas bochechas arrebitadas embalavam o bolo num bailar de cisnes, os seus dentes quase sem se fechar tocavam-se solenes como os grãos de areia na praia, o queixo com uma ligeira cova no meio fazia-lhe lembrar as dunas d'um deserto distante, os seus cabelos encaracolavam-se lançando-se sobre os seus ombros quase que deitados a dormir, das pérolas que tinha como olhos caiam, intermitentemente, fugases e desinteressados contemples sobre a mesa. Nunca um ser se apoderara do seu fitar de tal forma, nunca se sentira aprisionado em coisa tão sublime, fria e terna. Tinha que lhe chegar.


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