quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Perdia sempre a mesma coisa

Servia a noite toda e conhecia todas as texturas de todas as garrafas, podia até aceitar pedidos de olhos fechados. O espaço que o separava das bebidas e dos outros era pouco maior que um passo e, já os tinha dado a todos. Durante todo o espaço de tempo entre o entrar e o sair esperava ansiosamente por um único momento, entre esse momento e todos os restantes enchia copos e copos, juntava bebida com bebida e aturava os balbucios desajeitados pela pinga de meia dúzia. Amigos poucos tinha, os quais de quando em quando apareciam lançando abraços, gritos e foguetes para o ar, ele sorria, podia até oferecer-lhes um copo mas eles nunca tardavam em sair. Não ambicionara trabalhar ali, foi o acaso que lhe deitou as mãos e enfiou naquela noite, naquele sitio durante anos. O tal momento acontecia todos os dias durante as ultimas três semanas. Entre as duas e meia e as quatro os seus olhos não descolavam daquele vulto singular, estravagante e impertinente de cabelos curtos e encaracolados, e era quando se aproximava, depois de arrombar a porta com os punhos, do balcão que deixava de prestar atenção a tudo e todos os outros. Atirava os cotovelos por cima do mármore e pedia sempre o mesmo, sempre com a mesma pausa no olhar e na voz e aguardava sempre com o mesmo rasgado sorrir, nunca percebera se o sorriso vinha na sua direcção, tal como nunca tivera coragem de lhe perguntar o nome, mas, pintava-o na sua cabeça a tinta da china.
Quando se soltava descia de encontro a casa por meio escombros, garrafas partidas, corpos aos caídos, e nunca, nunca se cruzava com aquela silhueta.

Loop

"Nem por isso..." destronou assim a conversa.

Tinham sido duas crianças, e tinham crescido e deixado de ser duas crianças para passarem a ser uma criança grande. Ele era baixo, ela era alta, ele gordo, ela esguia, os olhos dele eram verdes, os dela castanhos, as feições dele eram brutas, ela tinha feições de princesa da disney, o humor dele mudava com o tempo, ela tinha humor sólido, ele gostava de levar, ela gostava de lhe bater, ele nunca chorara, ela ensopava a almofada todas as noites, ele queria ser outra pessoa, ela queria que ele fosse outra pessoa, depois do banho ele secava-se ao vento, ela usava toalha, ele nunca bebeu nem fumou, ela era viciada em tabaco e embebedava-se sempre que podia, os amigos dele não eram amigos dela, os amigos dela não queriam ser amigos dele, quando ele se vinha gritava foda-se, quando ela se vinha arrancava-lhe pele das costas, ele gostava de ser mais novo, ela parecia sempre mais nova, ele nunca falou, ela calava-se.

"Gostas de mim?" perguntou-lhe

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dispensa

She was holding herself down in a horizontal position, the wind laid his soft hands against her hair shoving it into the voidless air. Her hands, tied to those brick ropes she held on for so long it grew the green smell of moss, were reddish as a dying rose. The thin, white and cold feet, stepped upon the buildings side, feeling the thick windows of someones glass, were mistreated as a rubbish waste. She couldn't let go.

Solta-te menina, larga as amarras que te agarram à fachada velha dessa casa, dela só restam ruinas. Larga à confiança dos meus braços, e deixa-te cair dai de cima. Manda fora a esperança de desconstrução passiva dessa moradia antiga, ele não volta para reacender com uma pinha a lareira caiada. Atira-te dentro de mim, para dentro de mim e desiste dessa altura espevitada e da postura altiva e majestosa. Ele sabe.
Sobe e desenlaça as cordas que prendeste ao topo da chaminé, vem para minha casa enlaça-as no regaço quente. De lá não saias até que o teu corpo recupere das pancadas que te deram de borla. Sem que pedisses foram-se ajuntando nódoas negras à volta dos teus braços, dos teus punhos, e sem que visses foram-se enrolando punhos em volta do teu pescoço que te abafaram o respirar. Tu sabes.
Dentro da quente manta, e da luz apagada, junta-te comigo e procura o brilho no novo céu, encontra constelações sem sentido e significa-as. Mostra-me o que não sei para que lhe entorne o olhar e descanse o queixo. Leva-me e lava-me, seca-me no manto da tua pele e enxota-me as moscas e as traças de cima. Eu sei.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Conto de Maria I

Era tão efémero quanto o escassear das horas, o entrar no bar e, depois de quatro copos de scotch, encontrar alguém com quem passar o resto da noite. Ainda que isso não significasse o final previsível no fundo dos lençóis, sabia-lhe bem saborear uma boca nova todos os serões. Estudava as mulheres como quem estuda para um exame de final de curso, e conhecia os cantos e recantos dessa bela disciplina. Nunca assaltava o mesmo castelo na mesma semana, e tinha um mapa muito bem estudado, com as fraquezas de cada fortaleza dentro da sua cabeça. Saía sempre antes de se tornar irremediavelmente importante nas suas vidas, e tinha-se como santo redentor de corações acabados. Nunca se deixara envolver o suficiente para que se lhes pudesse chamar amor. Mas tratava-as todas com o mesmo respeito e delicadeza tal jardineiro velho num jardim de rebentos novos.

Maria aconteceu depois, bem depois. Estava já ele agarrado aos seus raros cabelos negros como alcatrão, e os sapatos gastos de tanta dança. Maria, singular, estonteante, de labios carnudos e doces num eterno tom avermelhado, pernas majestosamente altivas de atleta olimpica e silhueta perfeitamente recortada a bisturi cirúrgico, apareceu num fim-de-semana que se escapa no tempo.
Sem avizar, e por entre as garfadas num bolo ao pequeno almoço, no hotel mais caro da cidade, os olhos dele choveram entre os ombros da delicada face de Maria. Naquele preciso instante ele realizou que a tinha que vencer. Era a mulher mais bela que alguma vez tivera visto, as suas bochechas arrebitadas embalavam o bolo num bailar de cisnes, os seus dentes quase sem se fechar tocavam-se solenes como os grãos de areia na praia, o queixo com uma ligeira cova no meio fazia-lhe lembrar as dunas d'um deserto distante, os seus cabelos encaracolavam-se lançando-se sobre os seus ombros quase que deitados a dormir, das pérolas que tinha como olhos caiam, intermitentemente, fugases e desinteressados contemples sobre a mesa. Nunca um ser se apoderara do seu fitar de tal forma, nunca se sentira aprisionado em coisa tão sublime, fria e terna. Tinha que lhe chegar.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Crestássemos

Brincavam com o fogo e dominam-no com uma destreza acutilante. De manhã a meio de um beijo deitavam no chão os trapos e ensopavam-nos em querosene, vestiam-se e saiam para as suas vidas. Ambos fumavam, ambos tinham isqueiros com que acender os cigarros e ambos passavam o dia a brincar com o fogo. Ele animava a praça a meio da tarde com as mais singulares danças de amor por entre linhas de livros e pedras da calçada. Ela por sua vez servia de cinzeiro a doentes alcoólicos, onde estes despejavam as cinzas do passado. Jogavam com fogo.

Por entremedio de falsos rituais chegava a hora em que se encontravam de novo e, sem grande importância, se acendiam mutuamente sentando-se numa explanada de café. Enquanto ardiam por fora, o miolo, frio, não tardava em arrefecer. Os olhos, fogo, as palavras, fogo, os suspiros, fogo, os dedos entrelaçados, fogo, a distância entre um roçar de palavras, fogo.
O fogo servia-lhes como o quente de uma lareira, uma labareda no mato seco, uma beata acesa num pulmão canceroso.

Brincavam.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Caixinha de suspiros

Era de noite e a pergunta ficou outra vez agarrada no fundo da caixa, ela olhava-o com aquele sorriso cúmplice à espera do convite, mas ele centrara-se mais uma vez numa tremenda divagação sobre o sentido das coisas em si.
Enquanto as melgas rodeavam, freneticamente, as lâmpadas na rua à procura de calor, eles iam descendo de mãos quase dadas em direcção ao cais, onde ele a iria ver partir pela terceira vez no espaço de dois meses. Era-lhe sempre difícil a aceitação de uma despedida, ainda que curta, por isso nunca sentiu a força suficiente para deitar aquelas cartas na mesa.
Nunca um livro levara tanto tempo a ser escrito como o dele, nunca uma musa vivera tão longe do seu pintor. O inverno tempestuoso aceitara treguas durante aquele dia e, como tal, decidiram que era altura de sair a correr para fora do ninho.
Por fim estavam já no cais rendidos e de armas baixas esperando que alguma coisa rebentasse em frente aos seus olhos e os cegasse de vez. O sorriso não lhe abandonaria de vez a cara até que ela estivesse dentro do barco, até lá a esperança do convite vivia. Ele ainda diletanteando em cima das palavras, mantinha um discurso fugidio e cauteloso que, pé-ante-pé, não tinha falha alguma.
Ouviram o gritar da campainha que abria as portas a mais uma viagem, e enquanto se namoriscavam com os olhos o tempo ia-lhes fugindo esgoto abaixo. Gostei de estar contigo, disse-lhe ela por entre um abraço terno. Acho que devia-mos repetir, lançou ele por entre os dentes. Foi um adeus solto no fim dos dedos.
Na sua cabeça repetidamente rugia a palavra: fica comigo.
Eram só palavras.
E ela nunca ficou.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Silhueta decotada

Sabes, foi no teu arquear de costas que nasceu o mundo, foram nessas linhas finas, que descem a tua cinta recordada, que escorregaram os meus dedos que nem lápis de carvão doce.
Foi sempre assim que se te desenhei as costas, com isso e com os pedaços soltos da minha saliva a escorrer-me a língua e que te cravaram os ossos à pele.
É quando a borracha teima em apagar esse desenho que se soltam infinitos foguetes a gritar por ti, pela tua face, pelo teu perfil decotado, pelos lisos centímetros da tua silhueta.
Sabes, nunca é na cama que morre o sonho, nem no fundo da garrafa, nem mesmo no fim da noite.
É no acordar.
Em ti.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Meias cheias

Hoje não te quero ver estás vazia, sabes bem que não gosto de te visitar vazia. Hoje só de pensar em entrar em ti, vazia, davam-me voltas á garganta, fui por isso errando entre as paredes da pequena Lisboa.
Andei ao encontro das tascas que, cheias, me mantinham o mais longe do teu vazio. A tua falta de tudo era o meu nada.
Mais tarde passei pelos escassos bares procurando antigas companhias, novas caras ou até mesmo aquelas para as quais é difícil parar a olhar.
Já bebido e muito esquecido, voltei para ti. Ainda que vazia eras a única que tinha o jeito de me abrigar.

Hoje não te vou querer ter, és vazia.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Teia minha

"Sinto que no fim vou ficar contigo és tudo o que eu quero, mas por agora não te posso ver nem pintado."

Foram estas as escassas palavras que se enrolaram em torno das suas orelhas e lhe aprisionaram a cabeça. A partir desse instante as longas e espessas teias foram lançadas debaixo dos pés, os movimentos, quando existiam, serviam só para o embrulhar no lençol.
Ela tinha jogado todas as cartas, ele ainda meio abananado com os abalos nas fundações parou a olhar para um palacio. Nunca se soube desenmerdar sozinho, pelo menos nunca depois de se ter deitado numa outra cama e desempacotado as meias na mesinha de cabeceira.

"...és tudo o que quero... mas põe-te nas putas." foi isto que continuou a ecoar dentro da mioleira fria e vazia.
Decidiu por alguns séculos deitar areia sobre o assunto e deixa-lo junto das conchas, não a viu, não a queria ver, ou pelo menos era isso que queria querer.

"...no fim és meu..." no fim do quê? Tudo o resto foi um recalcamento estúpido daquele dia e ele não conseguia estar com mais ninguém sem que, numa ou noutra noite, não se aconchegasse mais na teia à espera de ser comido. Ela é maior, ela é sempre maior, ou pelo menos assim o foi.

No outro dia, assaltando um canto do olho, viu-a esgueirar-se na janela de um carro, acompanhada, como é obvio, pela nova presa.

"...no fim..." percebeu.

domingo, 24 de outubro de 2010

Vai-te Foder

Tem dormido no sofá a vontade de voltar para a cama onde deitamos os nossos sonhos de criança.
Caído no fundo da incerteza certa de não voltar a ter ninguém para enrolar o braço depois de uma noite de sexo cru e duro.
As almofadas continuam agarradas, cozidas até, aos cabelos arrancados pela força dos dedos.
E as lembranças, essas aparecem sem avisar por entre um sonho ou assaltam o pensamento às cinco da madrugada coladas a um fundo de copo.
Com a mais inconstante e invariável fome de um pedaço vão de ti, vai-se tropeçando nos recauchutados momentos da longa avenida.
O pó, esse é mais que muito, caído nas ombreiras da cabeça escorrendo até aos sapatos entranhando-se nos ouvidos e nos pequenos espaços dos olhos.
Se não te encontrar hoje agarrando uma garrafa de gin, encontrar-te-ei amanhã numa valeta qualquer a suplicar que te apanhe, aos pedaços, do chão.
Se os teus olhos não inundarem o fundo da rua para que lá te afogues.
Então é porque valeu a pena a dissertação do tempo.
Se eu não te mandar foder da próxima vez que te vir é porque ainda gosto de mim.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Quem

Tenho as mãos escassas de beijos
abraços rotos que nem redes
pés bicudos como flechas
o torço pintado a aguarela
as pernas são troncos partidos
cabeça de lata amaçada
cheio com serapilheira

quem sou eu?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Os alheios

"I've got a broken fucked up heart."
Dizia-se por entre os dentes negros de uma vodka preta.
"You should not be messing around with me, unless you meen it."
Estava ciente que a bebedeira era já muita, sabia também que estava ligeiramente sóbria pra saber aquilo que dizia. Saia-lhe da boca com tal sinceridade que doía.
"For me, i just don't care anymore, im just sick of feeling lonely anyway..."
É certo que assim que mergulhasse seria uma caída vertiginosa num poço sem fundo, mas até esses têm paredes.
"Are you really willing to lose it all for just a taste?"
Foi-se jogando este jogo por mais de dois meses, entre bares e jantares, nas mais lindas zonas da cidade.
"I'm really starting to miss you."
Morria a voz no outro lado da linha.
"And you know this wasn't suppose to go like this. It will hurt... eventually."
Foram-se embrulhando as precoces sementes em torno dos pés.
"Leave her, for me."
"Please."
"I'd rather die, than not having you."
"Hello?!"
"Are you there?"


Já não estava.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Escarreta Feliz

Ando há três dias para soltar uma daquelas escarretas literárias bem verdes no intuito de ferir alguém, mas, assim que olho à volta, já tudo se desfez, já não ha alma viva a quem deitar as culpas.
Há três dias que fumo maço após maço e não consigo soltar uma palavra de apresso a tudo aquilo que sinto.
Fazem setenta e duas horas que os lapís e as canetas me fogem, das mãos e dos bolsos, com medo de esgravatar uma parte d'um mundo que não me pertence e que, ainda assim, teimo explorar.
São três os dias da minha doce vida que me espicaçam a mioleira sem dó nem piedade à procura de qualquer coisa estúpida para dizer ou fazer sem que com isso espiolhe por traz das cortinas daquele teatro que não começou.
Não sei o que me irrita mais, se os minutos que passam no papel branco, se a valente escarreta que tenho presa no nariz.

Assim como assim do chão não passa.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sabotada

Enfia o orgulho no cu e toma lá esta merda. Se ficares pois bem, se te fores tanto melhor, já não me interessa.
Não te devias ter metido com aquele gajo sabes bem disso.
Arranjas desculpas para tudo cada uma mais puta que a anterior.
Sabes perfeitamente que nunca te quis magoar, e estúpida foste tu em teres fodido com quem não devias.
É claro que não gosto de ti, como é que podia gostar de ti ao fim deste tempo todo, depois desta merda toda?!
A minha mãe não tem culpa nenhuma desta merda por isso não levantes esse pó.
É claro que as tuas desculpas não chegam, nunca chegaram, não devias ter falado àquela gaja, ela já não me era nada.
Se mexeste na merda e ela cheirou mal a culpa não é minha, se a merda te rebentou no focinho azar o teu.
Não, não, quando estivemos os dois metidos nisto estava silêncio, tu é que vieste com a tua mania de espalha brasas.
Agora para de falar e leva esta merda daqui para fora, já não posso com este cheiro.

Pegou no braço da criança e deixou a porta fechada atras das costas.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Vigesimo Oitavo Grau

Dos seus labios sai uma lingua que em muito difere daquela que se fala naquele cantinho de mundo.
Nos seus olhos as memorias de diferentes historias de diferentes países sempre com o mesmo fim, a mudança.
Conhecera-a como a muitas outras numa noite solitária sob as luzes quentes de um bar da baixa.
Por entre copos de uisque e margaritas foram pecando palavras pelos degraus das escadas, e foi-se perdendo a eloquência no olhar.
Lá dentro ainda dançaram ao som d'um disc-jokey desajeitado, antes de tropeçarem os pés para fora da rua vazia.
De mãos enlaçadas andaram, sem eira nem beira, por entre paredes das casas baixas daquela terra, pintada de amarelo e branco, de estendais rasos.
Eram 5 horas da madrugada e a lua ameaçava deitar-te numa planicie apinhada.
Estavam dois corpos por de baixo da alçada de uma porta agarrando a fechadura com a força de mil amantes sedentos.
O portal abriu-se, as escadas rolaram elevando-os, a cama despiu-se violentamente e os quatro braços e as quatro pernas violaram as regras do prazer... depois foi só a mudança, nunca mais se viram.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vigesimo Grau

Rainha de dentes de leite,
tu que nunca sentiste o calor
quente de uma boca
junto dos teus cabelos puros,
a tua mão que nunca passou
pelo peito forte de um guerreiro
e o teu cheiro
que nunca impregnou outros lençóis
que não os da tua cama.

Deita comigo,
nesta noite fria,
o fino véu das tuas vestes.

Não sou guerreiro,
sou simples mendigo de pele nova,
deleita o teu doce corpo junto ao meu e
deixa que o escuro nos esconda
por entre os tecidos crus da carne.

Não, não tenhas medo,
rainha de escassas palavras,
de deixar cair o teu virgem olhar
sobre as peles nuas do pedinte.

Deixa que as línguas nos guiem
por entre os toques dos dedos frágeis.
Permite a entrada
das tropas inimigas,
mascaradas de cavalo de troia,
penetrarem as tuas gigantes muralhas.

E dorme, doce rainha principesca.

domingo, 12 de setembro de 2010

Caixa de musica

Dançavas que nem menina velha entornando certezas nos olhos de quem te mirava.
Pé ante pé lá iam as tuas ancas, saltando de quadrado em quadrado, conforme o som da melodia que pairava no ar como facas nos ouvidos.
Os cabelos, como lençóis de seda amassada, cobriam-te os ombros quando a tua cabeça se extasiava a contemplar o resto da sala.
Desconexas também as minhas pernas começavam a mexer em direcção ao abismo do teu bailado.
Os olhos como pérolas vermelhas incendiavam tudo em que tocavam, e os meus caiam repetidamente na timides fingida do teu notar.
As mãos, pequenas, esvoaçavam pelo imenso mar de roupas e iam-me atirando a favor das tuas.
Os constantes tumultos nos altifalantes do céu já não valiam ouro, ou prata, valiam pelos corpos que se juntavam.
O licor que fazia pesar os abraços foi d'um só trago, e os braços corriam tenues as montanhas na tua silhueta.
Soltaram-se por segundos gemidos de euforia, enquanto as mãos tacteavam com as pontas cruas dos dedos as orelhas, e atracavam sem dó nas cordas dos cabelos.
O doce da tua lingua é veneno nos labios, e a caixa fechou.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Parabéns

Já começaste a ganhar cabelos brancos, Mãe,
E por mais que os tentes esconder eles são teus por direito, Mãe,
Vai haver um dia em que te vou dar a mão na rua como quando era pequenino, Mãe,
Nessa altura vou já ser um menino grande e tu pequena, Mãe,
Vou dar-te a mão da mesma forma que tu me deste a tua, Mãe,
Nesse tempo para evitar que fugisse, Mãe,
Também eu vou evitar que fujas, Mãe,
Quando todo o mundo se quiser livrar de ti, Mãe,
Vou ajudar-te com o peso da tua mala, Mãe,
Com o peso da tua sábia idade, Mãe,
Vou olhar-te com os mesmo olhos de quando me viste pela primeira vez, Mãe,
De quando, com as lagrimas a correr-te as faces, viste nascer o teu primeiro filho, Mãe,
Vou abraçar-te com a mesma intensidade com que tu me embrulhaste nos teus braços quando algo corria mal, Mãe,
Vou beijar-te o rosco e acariciar-te as bochechas mesmo quando não me pedires, Mãe,
E vou lutar, Mãe,
Vou lutar para que tenhas de mim tudo o que de ti tive, Mãe,
Carinho, Mãe,
Compreensão, Mãe,
Afecto, Mãe,
Amor, Mãe,
Paixão, Mãe,
Cumplicidade, Mãe,
Ajuda, Mãe,
Todo o mundo, Mãe.

Conto Omisso

Queres-me não queres?
Que posso eu responder-te?
Eu sei, está na tua cara.

O som alto da musica rasgava as colunas e enchia os espaços por entre todos corpos perdidos.

Sabes que não posso, certo?

Agarrou-a pela mão e envolveu os braços em torno do seu tronco juntando, violentamente, os seus labios aos dela. Não se soltaram senão uns minutos depois.

Não devias, sabes que não posso... não podemos.

Os copos licorosos iam ficando vazios, um após o outro, até ser tocada a ultima musica de todos os dias, até ficarem de novo sozinhos nas vielas.

Estou bêbeda leva-me para tua casa.
Quero foder contigo.
Eu sei, agora cala-te e leva-me contigo.

Tinham o arrependimento previo, da seguinte madrugada, estampado nas faces, mas sabiam que nada mais havia a fazer, a dizer. Ela tinha que o trair, ele que ser traído.
Os corpos se não se usam queimam-se.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Volúvel

Somos uma invariável face da mesma moeda,
e como as moedas tendem em cair com uma delas para cima,
só resta esperar que não sejamos a outra.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Écrire rêve

A voz dos seus olhos é doce como mel,
e ele escreve-a com os gritos de uma caneta
nos ouvidos de uma folha branca de papel.
Ela vai longe num barco que navega junto das nuvens,
e ele torce o pescoço a olhar para o céu azul como o mar.
Não volta a dactilografar,
na pele,
as mesmas palavras que cobriam as paredes
de todas aquelas cidades do antigo mundo.

Eles bebiam em copos de cristal
o seguimento das rolhas agarradas por um arame,
até as suas cabeças ficarem toldadas
sobre a fronha da mesma almofada.
Os hotéis abriam-lhes as portas
com a mesma e constante frequência
com que as fechavam a um ou outro pedinte.

Eram como nunca dois pedaços do mesmo corpo, separado.
Ainda assim haviam os gritos, e as canetas.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

This could be a note

Strings are thrown
Impatience of being more than once.

Castle walls high, ignored
Promises, lay them down
We're still climbing for the crown
Fear's not good here, hope's gone
Fight up, string's unbound
and it all falls, and it all falls, and it all felt

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Conto de Cachopo

Sonho com ela todas as noites agora.
Estranho pois nunca me lembro de ter sonhado,
fora-me sempre uma terra interdita.

Hoje estávamos apaixonados de novo,
renovando os nossos votos,
bem diferente de ontem em que nos íamos matando,
correndo atrás um do outro com todas as armas que encontrávamos.

Eu acho que ela faz parte de mim,
se o não fosse,
qual era o sentido em sonha-la?

Faz anos que não a vejo,
se é que ainda respira neste mundo.

Até então nunca julguei que me fizesse falta,
nunca nada me fez falta a não ser eu mesmo,
e por vezes também me perco,
mas sou sempre mais fácil de encontrar,
num reflexo de um espelho,
no som da minha voz,
no partir de um copo.

Sonho com ela todas as noites agora.
Quando acordo insulto o despertador por me ter atirado para aqui,
outra vez.
Tento voltar mas quando lá chego já ela passou,
e eu estou no mesmo sítio onde me encontrava.

Quem é ela?

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

o Gordo

Não fui eu que estraguei,

Quando entrou no quarto já estava partido, no chão, o seu medalhão da sorte.
Não fui eu que estraguei, dizia ela encostada a um canto da cama, com os olhos navegando o chão e o som das lágrimas a encostarem-se às pálpebras.
Paralisado pela agonia de perder o que lhe era mais querido, soltou um gemido, e começou a andar em direcção da sua amada.
Sua estúpida, não sabias estar quieta, não sabes que esta merda é frágil, quantas vezes é preciso dizer?
Apanhou os cacos soltos do chão, cuidadosamente a medo de se cortar, e deixo-os estendidos na cama.
Como é que o montamos agora, explica-me.
As lágrimas começavam já a correr nas suas faces em saltos libertários na direcção do solo, não sei querido, não sei, perdeu as forças nos braços e caiu sobre a cama de costas nuas em cima dos pedaços estilhaçados. No lugar do seu peito rasgara-se um buraco.

ele soltou-se.

sábado, 21 de agosto de 2010

7am

Eu só queria pensar noutra coisa,
acordar noutro corpo,
um que se elevasse de mim
e me tirasse da vida.

Só, vim eu na rua ontem,
o sol esbofeteava-me a mim
e ao manto do Tejo
parado.

és tudo o que eu vejo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Entre linhas

Sabes não te posso amar mais a minha mãe não deixa. Disse-me para nunca mais te ver, acho que ela tem razão. Porque? Porque sim, já viste onde nos vieste meter, que cheiro é este? Pára de chorar e limpa o ranho.
Não é o fim do mundo, o que não falta por aí são gajas. Qual única qual quê, deixa-te de merdas ambos sabemos que te meteste comigo porque estavas sozinha, e eu disse-te para não te apaixonares. Sim eu sei também tenho culpas no cartório, também me deixei levar, mas olha agora acabou não te posso ver mais.
Já lá dizia o outro "olhos que não vêem coração que não sente". É claro que acredito no amor, mas agora não posso pensar nisso, vou-me embora para bem longe e isto acabou-se, mas que merda de cheiro é este? Pára de chorar já te disse.

O espelho não mentia, ela tinha deixado de amar.

Ser pente

Mais um corpo para a caixa forte de lembranças esquecidas. Não tinha que ser assim, olha o que me fizeste fazer. Bastava teres seguido as pistas e manteres-me interessada, só isso e evitavas todas estas letras coladas em forma de palavras estragadas.

Num mundo como este só existem duas escolhas, ser-se quem se é, ou ser-se quem quer que seja.

2000000m de amor

Só queria que me agarrasses nos teus braços e me desses um ultimo beijo, pensou ela enquanto os carris chiavam nas rodas e os motores se preparavam para partir.
Ele sabia que já tinha perdido tudo o que tinha a perder ali, e ficou parado a olhar para a janela enquanto ela se afastava.
Sabiam agora todos os senãos do amor, foram-se chicoteando em praça publica sem que ninguém visse.
Ela arrumou as ultimas lágrimas numa caixinha, não eram para ele.
Ele ficou na gare até tarde à espera que o tempo voltasse atrás, por fim recolheu-se a casa.
Era tempo de reconstruir as muralhas magoadas dos seus reinos, encontrar novos soldados, anexar outras terras e costumes, levantarem defesas mais seguras.

domingo, 15 de agosto de 2010

Lápis semi-curto

Porque o carvão só se grava no papel
quando o peito doí...
A inconstante dormência de braços
no meio da cidade.

Não és tu que quero,
nunca foi assim que começou.
É nas feridas que ficam
que se contam os dias que interessam,
esses toldam a visão.

O fumo a nicotina queimada
teima em rasgar os olhos,
a brasa apaga-se nos ossos.
A musica nos phones
não cessa nem no quarto,
quente,
escuro.

Nunca foi assim que acabou.

Trepadeira

Foi na inconsciência de querer ser mais do que fui que lancei a corda bem alto nas muralhas do castelo abandonado.
Prometidos dragões, batalhas, princesas e um hipotético amor, cravei as mãos nas farpas da corda, fui trepando.
Vento, desculpas, nuvens e sonhos.
Medos, esperanças, trepidações e escaramuças.

Só se apercebeu que a corda partira quando já estava enterrado no chão.

Não foi no tentar, foi no ficar.
O castelo caiu.

sábado, 7 de agosto de 2010

Tece

Enchi com fome dois sacos cheios de nada e distribui por nós.
Era de esperar que os sacos se construíssem e, comodamente, com esperanças, sonhos e abandonos fossem pesando. Força nos braços não nos faltava.
Os sacos, de serapilheira, nunca foram bons para guardar segredos, e areia pequena, que se iam esquivando por entre as coisas grandes que pouco importam, e tu sabes que o mundo é feito de pequenas coisas.
Até a serapilheira se gasta ao fim de uns dias. Dois dias.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

De noite os gatos miam

Nos teus olhos verdes rasgados sobre os meus e nas tuas mãos a navegar p'lo meu corpo numa astucia quente, fomos jogados contra a parede a favor do desejo.
Eras-me nova, e eu precisava do teu sexo mais do que a garrafa que nos levara até ali.
Navegava-mos pelas ruas sem a mínima noção da nossa rota, ainda assim sabendo bem para onde íamos.

Confessaste-me ao jantar que não querias mais ninguém, que os homens eram todos uns filhos-da-puta lascivos sem a mais pequena noção de como te fazer sentir mulher. Eu não te respondi, por sabia perfeitamente que pertencia ao mesmo grupo.
Fomos bebendo garrafa após garrafa daquele vinho que mais parecia sangue e que pintava as taças brancas de purpura, a comida, ainda que boa, era o menos importante. Eram só aqueles dois corpos fechados sobre si mesmos que interessavam, eram só os pequenos embaraços de olhares, os pequenos sorrisos que anteviam um serão sem nexo.

Chegámos a um quarto que não consegui destingir, no meio havia uma cama e, como mortos, lençóis de seda caiam sobre ela.
As tuas mãos continuavam atiçando a obscena e indecente parte de mim, e eu por entre as amarras dos teus braços continuava a trincar-te o pescoço e a medir-te as orelhas com a ponta da língua, todo o meu corpo parecia já não me pertencer.
A tua roupa foi caindo junto da minha como balões vazios, e os lençóis mortos ganharam vida, a vida de dois corpos amassados.
As pernas que se envolvem em nós impossíveis, bocas frenéticas entrelaçam-se no calor da saliva, as mãos que acariciam o sexo com o mais gentil dos cuidados, as línguas que sobem e descem o corpo e que se encontram, por vezes, a meio.
Os calores do corpo a fazer jorrar suor que se mistura num liquido explosivo.

Os homens são todos uns filhos-da-puta.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

a Garra

Acabaram-se as moedas, meu amor,
já não podes ganhar mais.
A maquina deu-te tudo o que tinha,
a garra que te ofereceu o buraco do meu peito estragou-se.

Arruinamos devagarinho o fruto
que se ia compondo entre nós.
E tudo ás voltas,
porque não queres,
e tudo fica,
porque não vou.

Em cima do chão,
os botões quinados.
Na face da faca,
a mão.

Não sei.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Tudo isto e um muito nada

Não estás, e como tu também não ficou a ponte que me leva a ti.
Ao que parece não aguentou o peso de uma só folha.

Incapaz de ir, quedado nas mentirosas pedras da calçada soltas pelos teus saltos.
Sempre questionas-te o meu olhar por ti, sempre inábil em agarrar os abraços soltos, espalhados.

Menina, agora o que resta são as lembranças do teu suor a escorrer-me na língua, do teu pequeno lago no umbigo após maratonas nocturnas, das minhas costas rasgadas pelo verniz roxo, as lembranças dos lençóis ensopados em álcool e a madeira a cravar-se nas mãos, só restam as cinzas que caíram do cigarro e se colaram ao tecto.

Tudo isto e um muito nada.

Leva-me

Quando a ideia é cravar as garras no meu lombo
e arrancar, à força, o tempo em mim, és mestre.
Se pra mostrares o que sou tens que cuspir para o céu,
então enche-o de nuvens.
Sempre valeu a pena tomar banho no alguidar ferrugento?
E sangrar dos pés?

É ou não difícil crescer ouvindo quem te rodeia?
Se pudesse tapava as orelhas com mil almofadas.

Leva-me de volta ao ninho.

domingo, 25 de julho de 2010

Sal grosso

Reflexos da tua pele nua caminham ao meu lado, nas folhas do jardim.
Pensava já as ter podado no verão que passou.
O que o vento não leva fica no chão à espera que o apanhes, e tu nem te baixas.

Sabes, quando era pequeno a minha mãezinha dizia-me, não batas nas meninas que elas são frágeis. Só que depois daquele espelho partido não consegui parar de te bater. Sabes que sou fraco de mais, sabes que não suporto que me olhes dessa maneira, sabes-me mas não te importas e continuas a olhar-me com o mesmo ar de boneca.

Nunca digas nada de que te arrependas, nunca faças nada que não gostes, nunca fodas com quem já te fodeu.

A brisa que te leve pra longe de mim, por estradas rectilíneas e que nunca cá passe outra vez.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Na rega das flores ele é rei.

Peças de um sonho perdido afogam palavras doces de manhã.
Foram estas as mãos que agrafaram a almofada à cama com uma face pelo meio.

Quando as pernas pararem de mexer, só quando as pernas pararem de mexer.

Conhecia bem a técnica, já não era a primeira vez.

Tudo tem um inicio e um fim, pelo menos é o que os livros nos contam.
E o fim de todas elas era a valeta, depois de uma noite de sonhos mais que grandes.

Nunca foi capaz de alimentar uma flor por mais que uma semana, não ganhara forças nos braços para o regador na altura certa. E elas não tinham culpa, pois cresciam onde quer que fosse, e brotavam no seu jardim inconscientes.

Uma tulipa depois de cortada dura uma semana, ele mato-a em 3 dias.

domingo, 4 de julho de 2010

Hoje é dia de não querer ninguem

Hoje é manhã no meu quintal e eu não quero ninguém.
Não te quero a ti amor, não quero o João nem a Maria, podem todos desaparecer da minha vida por um dia.

Hoje é manhã no meu jardim e não quero ninguém.
Não quero as pétalas das rosas caídas sobre o alpendre, nem os espinhos das silvas que me agarram as calças, não quero regar as tulipas que rasgam o chão, podem todos murchar ou morrer até, hoje não.

Acordei a sentir a tua falta outra vez, já te tinhas levantado à muito, uns dois meses.
Normalmente consigo gerir o que sinto enfrascando-me em vinhos vários, mas hoje apertou-me invulgarmente.
Acordei a pensar que não preciso de ti para nada, que, eu mais eu é só o que importa.
Acordei e apetecia-me ter morrido durante o sono.


Hoje é noite no meu amor e eu não quero ninguém.
Amanhã és tu.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Saldo d'amor

Não foi isto o prometido, quando me venderam este pack de amor.
Tão pouco é a inconstante certeza de a ter, aqui, despojada nos braços.

Sabes bem do que falo, Maria, nunca me deste, nem poderias de facto dar, o teu coração de plástico.
Já o outro menino o tinha esfarrapado no caixote de areia.
Não consegui, porem, não reparar que mo querias vender a preço de saldo.

"Só precisas de cola e um bocadinho de tinta e fica como novo."

Os saldos de inverno nunca me encheram de calor, nem tu, ainda assim comprei.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Tulipa (claustro)

Num leve travo o cheiro chega a mim, como, ainda que tão distante, to consigo sentir?
A cama à noite é dura e fria como pedra, o ligeiro aroma vagueia pelo quarto, solene, e por mais que lhe tente chegar escapa-se-me sempre por entre os rasgos dos dedos.
Deitado no chão sujo agarro, tentando arrancar-me da pele o que ficou, não consigo, já cá não está...
O cérebro cega sempre que te vais, e os olhos evitam ver o lugar vazio que deixas.
À noite os espasmos são mais que muitos, durante o dia desprezo-os para que consiga respirar.

Os dias de angústia sem tocar num pedaço de carne que envolve o teu corpo deixam-me sedento, a salivar para o chão pedaços de sémen morto.
Enquanto as veias do teu corpo não rebentarem em êxtase, não tenho um segundo de descanso, enquanto os teus olhos não condenarem o dia em que nos atentaram , não tens perdão, enquanto for de nós o cheiro...

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Quarto Espelhado

Na confusão de reflexos do teu olhar, espelhos esbatem atrapalhados o embaciar dos teus músculos suados.

É difícil espelhar o sentido das palavras sem te ver, ao contrario não faria sentido.

Nem nas cores dum diamante se te encontro, se ocultam as linhas que te pintam, nem no sol a cair sobre a chuva se te desenham os teus choros.

Os verbos amar, odiar cortam a pele da mesma forma.


Nem na distância, nem no tempo, nem no tempo, nem na ânsia.

Nem sou eu, nem és tu, é um mundo maior do que nós.


Espelhos reflectem-se e, se não estás no meio, não existes.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Até

Começar sem acabar, inspirar sem expirar, cantar sem ler.
Espantalho fulminante paira sobre a cama em sonhos passados, pesados, recortados, colados.
O amor d'outro aquece fogo na lareira, rasteira.
Bicos de lápis de aço, papel rasgado, estropiado.
Sentido sem sentido, desmedido, vácuo comprimido, equimose interna.

Ser quem não se é, quem não foi, não posso ver, não queres ser.
"Nunca's", "Jamais's" empecidos.

Até ver, sou quem fui e quem quero ser.