Brincavam com o fogo e dominam-no com uma destreza acutilante. De manhã a meio de um beijo deitavam no chão os trapos e ensopavam-nos em querosene, vestiam-se e saiam para as suas vidas. Ambos fumavam, ambos tinham isqueiros com que acender os cigarros e ambos passavam o dia a brincar com o fogo. Ele animava a praça a meio da tarde com as mais singulares danças de amor por entre linhas de livros e pedras da calçada. Ela por sua vez servia de cinzeiro a doentes alcoólicos, onde estes despejavam as cinzas do passado. Jogavam com fogo.
Por entremedio de falsos rituais chegava a hora em que se encontravam de novo e, sem grande importância, se acendiam mutuamente sentando-se numa explanada de café. Enquanto ardiam por fora, o miolo, frio, não tardava em arrefecer. Os olhos, fogo, as palavras, fogo, os suspiros, fogo, os dedos entrelaçados, fogo, a distância entre um roçar de palavras, fogo.
O fogo servia-lhes como o quente de uma lareira, uma labareda no mato seco, uma beata acesa num pulmão canceroso.
Brincavam.
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