quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Eterno

É sempre tão efémero,

o tempo que te penteia os cabelos,
as tardes mortas no sofá,
a manta por cima do aquecedor
e o quente no fundo da pipa.

a mão quieta dentro do bolso
a agarrar no bilhete de metro,
e o caminho para tua casa
que passa por todas as linhas.

as faíscas no topo do eléctrico
no final da tarde fria,
o cachecol envolto ao pescoço
os solavancos frenéticos dos carris.

o sabor da pastilha nos dentes
antes de te beijar a boca,
e o formigueiro nas pernas
quando te vejo ao chegar.

o olhar que deitas sobre mim
quando os nossos corpos não se levantam,
e a tua voz do outro lado do telefone
que me deixa esvaída em sangue.

o sentir que posso sentir-te
eternamente dentro de mim,
e que, para tudo o que venha
estás de pedra e cal.

o hoje da chuva
o amanhã do sol,
e o nevoeiro dos entretantos
que toldam a visão algemada.

e é sempre tão eterno.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tinta da China

É ao descer na tinta que envolve
o cetim doce da tua pele,
ao contornar os traços inacabados
com a ponta da língua,
que me sobe à cabeça
e à ponta dos dedos
a estatica força de te jogar
o corpo contra a parede.

De te prender as mãos
em volta do pescoço
e te rasgar os labios
com o afiado prazer
no gume dos dentes.

Com as unhas cravar-te
pedaços de carne,
no meio da seda áspera dos lençóis,
a retalhar-te pedaços do passado
enquanto os teus olhos dançam
dentro das órbitas em torno do sol.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Márcia

Hoje quero não gostar de ti, desligar aquele botão onde tropeçaste sem querer e acendeu a luz do quadro. Não ter que me preocupar se á noite a colcha não foge do teu corpo frágil de criança, ou se estas sozinha na cama. Quero não saber de ti, ou se pensas em mim com a mesma intensidade e constância. Quero fugir livre e nua pisando os fetos partidos no chão, sentir o frio das pedras a rasgar-me a sola dos pés enquanto tu estas longe daqui. Boicotar-te dentro de mim para que não saias ca pra fora, fechar a porta as tuas lamurias e birras feias que te toldam os olhos e te avemelham o nariz. Cortar-te a mão que me agarrou pela primeira vez por entre as pernas e me fez soar de prazer, e morder-te os dedos que entraram dentro de mim até conseguir sentir a minha boca vermelha. Hoje não quero ser tua, nem que tu te atrevas a telefonar-me com facas na língua. Hoje quero dormir ate fazer doer os olhos, e acordar num depois de amanha onde tu estas, quieta, pequena e nova pra mim. E quero que voltes a ser eu enquanto adormeci. Hoje quero não voltar a tropeçar no botão que apagou a luz e nos deixou ás avessas no escuro.