segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Tulipa (rendição)

E o tempo passa, há quem diga, rápido de mais, enquanto um dia perde as vinte-e-quatro horas e se transforma em nada. Passado.
Era inverno, o cinzento cobria metade da cidade que se iluminava somente pelos focos amarelos dos faróis. As paredes agarravam-se ao nevoeiro esperando molhar-se, as portas das lojas, fechadas, embaciavam-se com o calor retido. Era quase impossível ver uma alma na rua, o frio eram machados a rasgar a roupa.
Ela, perdida, ia vagueando com a mão esvoaçante a medo de bater em algum poste.

Onde estás? perguntava constantemente.



Dias antes deixara-a estendida na cama do quarto do hotel com uma pétala na mesinha de cabeceira.


"Não volto, mas fico contigo."

"Tulipas crescem num campo bravo, mais de 1000 batalhas travadas, vermelho sangue num labirinto de veias verdes que se agarram à terra e bebem do chão.
Foi por ti, é por ti que choram, é por ti que as pétalas são tão doces, os talos tão leves, querem ser como tu, tentam, desde sempre, ser como tu. Há mais de mil guerras que crescem e morrem no tentar.
Querem a tua pele de seda, os teus cabelos selvagens, querem refugiar-se por entre as flores do teu sexo, tocar-te uma só vez e roubar o teu segredo, e vão efemeramente chegando a ti.
Sou mero observador, mirone passivo da escaramuça natural contra a tua destrutiva beleza, sou eu aqui sentado a olhar os teus olhos a dormir."

Adeus amor.

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