E o tempo passa, há quem diga, rápido de mais, enquanto um dia perde as vinte-e-quatro horas e se transforma em nada. Passado.
Era inverno, o cinzento cobria metade da cidade que se iluminava somente pelos focos amarelos dos faróis. As paredes agarravam-se ao nevoeiro esperando molhar-se, as portas das lojas, fechadas, embaciavam-se com o calor retido. Era quase impossível ver uma alma na rua, o frio eram machados a rasgar a roupa.
Ela, perdida, ia vagueando com a mão esvoaçante a medo de bater em algum poste.
Onde estás? perguntava constantemente.
Dias antes deixara-a estendida na cama do quarto do hotel com uma pétala na mesinha de cabeceira.
"Não volto, mas fico contigo."
Foi por ti, é por ti que choram, é por ti que as pétalas são tão doces, os talos tão leves, querem ser como tu, tentam, desde sempre, ser como tu. Há mais de mil guerras que crescem e morrem no tentar.
Querem a tua pele de seda, os teus cabelos selvagens, querem refugiar-se por entre as flores do teu sexo, tocar-te uma só vez e roubar o teu segredo, e vão efemeramente chegando a ti.
Sou mero observador, mirone passivo da escaramuça natural contra a tua destrutiva beleza, sou eu aqui sentado a olhar os teus olhos a dormir."
Adeus amor.